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Dia 8: Beirute (Líbano) - Café da manhã especial

Written By Ana Raquel on terça-feira, abril 03, 2012 | terça-feira, abril 03, 2012

Contrariando toda a boa vontade de fazer o que é certo, mais uma vez, perdemos o horário do café da manhã. Para que se preocupar, no entanto, se você tem um Ahmed na sua vida? "Socorro, estamos famintas", dissemos. Ele, prontamente, falou: "Como prometi ontem, levarei vocês para tomar um café da manhã em um lugar muito local. É simples, mas vocês vão ver como é algo popular de verdade". Leia-se popular = do povo.

Saímos do Hamra e partimos em direção ao bairro de Ouzai, no subúrbio de Beirute e que fica a 20 minutos de distância do nosso hotel. Em 2006, Ouzai foi um dos bairros mais devastados pelos bombardeios aéreos de Israel, então, assim como todo o resto da cidade ainda passa por restauração, imagine em uma das partes mais pobres? A falta de beleza do lugar, no entanto, não tira a beleza das pessoas que conhecemos ali, naquela manhã gelada.

Não compre o livro pela capa: a fachada pode ser simples, mas foi o melhor serviço que já tive na vida!
Assim que chegamos, o Ahmed já foi na frente fazendo as honras da casa, separando mesa e pedindo aos proprietários para prepararem algo, que ainda não sabíamos o que seria, para comermos. A rusticidade do lugar é inacreditável: o dono do lugar, o açougueiro, providencia carne fresca todos os dias. Fresca MESMO. Os bezerros e os carneiros são mortos na madrugada do dia no qual são vendidos e eu juro que nunca havia comido uma carne tão incrível.

Para os mais "sensíveis", pode parecer estranho, mas é uma experiência que vale muito a pena!


Enquanto conversávamos, percebemos os olhares curiosos de senhorinhas e simpáticos senhores que passavam pelo açougue para comprar a carne do dia, mas também para tomar café. Com sorrisos mais largos que o próprio rosto, não houve como não se sentir à vontade. Pois bem, papo vai, papo vem, chegou o nosso primeiro prato: kibe cru com pimenta síria, que é um misto de pimenta do reino, pimenta da jamaica, canela, cravo e noz moscada moídos.

Em cima, à esquerda, bebida feita de coalhada, abaixo o kibe cru com o pão e à direita, a shisha.

Eu juro: nem o melhor restaurante de comida árabe em uma grande cidade como São Paulo fará um kibe cru como aquele. Parecia que estávamos colocando seda na boca, de tão leve, fresca, bem moída que a carne estava. Incrivelmente, foi uma das iguarias mais bem preparadas e coesas que já provei. Junto com a carne, o Ahmed nos ofereceu o Al-Shakif, parecido com um iogurte para nós, mas feito de coalhada. Eu provei, mas confesso que não gostei. Achei salgado. :(

Durante esse tempo todo, uma menina linda, que estava no caixa, não parava de olhar para nós com aquele rosto deslubrante. Ela sorria, tímida, mas fez de tudo para chamar a nossa atenção, afinal, quando é que duas pessoas vindas de um país tão distante, teriam tempo ou saberiam como encontrar aquele tesouro de Ouzai? Entre todos esses detalhes, chegou a segunda parte do nosso café: esfihas feitas na hora. Pronto, morremos.

Aroma de comida fresca, feita literalmente na hora: não tem preço.
As louquinhas da esfiha <3
A massa quente e crocante, contrastando com aquela carne fresquinha, curtida na manteiga, o azedo do limão. Combinações de sabores que ficarão para sempre em minha memória e que serão insuperáveis até que a gente volte lá para comer tudo de novo.


Durante este "banquete" árabe, Wafaa, a esposa do açougueiro -- a linda do caixa --, nos ofereceu um shisha (arguile). Falamos que não, no primeiro momento, mas ela insistiu. Aceitamos com a condição de que ela se sentasse conosco. Ela topou. Ficamos ali por mais meia hora, conversando por meio do Ahmed (já que ela não falava inglês), fumando shisha, rindo do que não entendíamos, observando a sobrancelha incrível que ela tinha e programando uma saída só de mocinhas -- o que, infelizmente, não aconteceu - e tomando café.

Wafaa, a "linda do caixa" que nos fez companhia durante nosso café da manhã.
É óbvio que eles não quiseram cobrar a refeição, mas seria um absurdo não pagar por aquela maravilha que havíamos provado. Pagamos cerca de 15 mil libras libanesas (R$ 18) e também deixamos uma caixinha bem gorda para eles, porque, menos que isso, seria injusto.

Foto para a posteridade com os nossos novos queridos amigos de Ouzai (Hussein e Wafaa). :D
Pelo tamanho dos nossos sorrisos, dá para perceber o quão felizes estávamos aquela manhã. Olhando as fotos, revendo os vídeos e resgatando os aromas, reforço a certeza de que o amor pelo que você faz, somado a um bom serviço, torna o seu restaurante o mais top do mundo. Para nós, esta foi uma manhã memorável. Para mim, em especial, veio a calhar, pois naquele dia era aniversário do meu pai, que faleceu há cerca de 1 ano. Não poderia existir melhor comemoração. Nos emocionamos na companhia do nosso querido Ahmed e ali, eu tive a plena convicção de que estava no meio de um povo muito especial.

Espero que eu tenha conseguido traduzir neste texto, pelo menos um pouquinho, a beleza de tantos cheiros, rostos e sabores. A visita a Ouzai, caso você vá a Beirute, é obrigatória. Dispa-se de preconceitos, ideias fixas sobre o que é ideal para uma boa experiência gastronômica e esvazie-se para receber toda a riqueza de pessoas como essas.

Uma coisa é certa: se você não sentir nada do que eu escrevi, certamente comer muito bem você vai. :)

Até mais!

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Sobre Ana Raquel

Jornalista, 36 anos, canceriana, chorona. Se emociona com tudo. Vive sem muito planejamento, mas com muitos planos.

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